As marcas farmacêuticas e suas semelhanças

Com o enorme desenvolvimento  dos alimentos industrializados,  fáceis  e rápidos de preparar, mas compostos de inúmeros aditivos  químicos, tais como  conservantes, colorantes, antioxidante,  aromatizantes,   umectantes e acidulantes inúmeras doenças começaram a  aparecer  na sociedade contemporânea, dando origem a centenas de novos medicamentos, vacinas e  métodos de tratamento para combater  enxaquecas, náuseas, reações e outros  males provocados pelos aditivos alimentares.   

Nos últimos anos, a indústria farmacêutica tem colocado à venda e estimulado através da publicidade e de seus representantes, o uso de  inúmeros medicamentos destinados à combater todo tipo de doenças.

Ora, como se sabe, no intuito de lembrar ou  evocar ao consumidor  o princípio ativo que compõe o produto ou a destinação dos mesmos,  às vezes, várias  marcas de medicamentos, são bastante semelhantes. A título de exemplo, podemos citar:

BETAmetasona /  DEXAmetasona;

GANciclovir / Aciclovir;

FLUoxetina / DULoxetina;

Penicilina G CRISTALINA/Penicilina G BENZATINA;

FentaNILA / SUFentanila; 

 

Problemas podem surgir na prescrição, no armazenamento e na administração e obviamente podem gerar confusão. De fato, nomes de medicamentos com grafia ou som semelhantes podem causar confusão, para os médicos, farmacêuticos e também consumidores.

Os conflitos por motivo de medicamentos com nomes ou embalagens semelhantes não são raros no mundo jurídico e  frequentemente os casos são levados à justiça para se pronunciar.

Diante de eventuais conflitos entre marcas de medicamentos com nomes semelhantes, ou embalagens e rótulos que se assemelham,  como  tem se comportados os juízes e Tribunais de justiça ? Qual a tendência da jurisprudência brasileira ? 

Entende a doutrina, que no caso dos produtos farmacêuticos  e veterinários, as marcas  são formadas utilizando radicais, prefixos e sufixos retirados dos nomes das substancias químicas : calci, iod, cilina, lact, sulfa, pepto, etc. Os radicais referidos ligados a outras palavras ou letras compõem o nome e marca do produto: Calcigenol, iodingetol, pondicilina, sufalacbacil . Ora, os radicais, prefixos  e sufixos sendo de uso comum, não podem ser objeto de  registro exclusivo de marca e como são utilizados por todos os concorrentes, acabam gerando marcas parecidas e suscetíveis de equívocos e confusão.

 Enquanto que em países  como a Suécia, Grã- Bretanha, Estados Unidos, os Tribunais, em nome do interesse da saúde pública,  costumam ser bastante rigorosos na apreciação do risco de confusão, entre marcas de medicamentos que se assemelham,  na França, os Tribunais  costumam ser mais flexíveis, entendendo que tratando-se de medicamentos  o consumidor exerceria  um cuidado especial  e uma atenção redobrada, com receio das graves  conseqüências  de uma eventual confusão

 Entretanto, as crônicas judiciárias mencionam um julgamento do Tribunal correcional de Blois, datado de 04 de março de 1970, que condenou um médico e um farmacêutico. O médico havia prescrito para um bebê, o medicamento INDOCID, quando na realidade ele queria prescrever o medicamento INDUCIL: O farmacêutico entregou o medicamento prescrito e o bebê faleceu em decorrência da administração do remédio inapropriado.

 No Brasil, o Código de propriedade Industrial de 1970 assegurava um tratamento especial para as marcas farmacêuticas declarando no art. 80

Art. 80- “Poderão ser registradas como marcas, denominações semelhantes destinadas a distinguir produtos farmacêuticos ou veterinários com a mesma finalidade terapêutica, salvo se houver flagrante possibilidade de erro, dúvida ou confusão para o consumidor”

A lei brasileira atual ( lei 9.279/96 ) não contempla tal especificidade, mas existe uma tendencia na jurisprudência de nossos tribunais  em admitir a ausência do risco de confusão  no caso de  marcas de medicamentos,  uma vez que se destinariam a consumidores esclarecidos, a classe médica e a classe farmacêutica, como bem demonstra o exemplo a seguir:.

“ Tratando-se de produtos médicos eles se destinam à consumidores esclarecidos, a classe médica e a classe farmaceutica, que dificilmente confundiriam marcas que ostentam alguma semelhança.

Ao contrário, se o produto é popular, destinado ao povo de um modo geral, essa possibilidade de confusão é maior.  . . . .

Possibilidade do registro da marca ROFERON, que se destina a assinalar medicamento para uso humano, no tratamento do câncer, não obstante a existência anterior da marca ROFERTON, que assinala produto veterinário”

( TRF, RIP 07123639- Min. Carlos Mario Velloso- 18/03/1987 )

Essa decisão a exemplo de outras é contestável e ignora a realidade. De fato, de vez em quando a mídia nos relata casos de pacientes que após terem sido submetidos à uma cirurgia, descobrem que foram esquecidos no seu corpo, mechas de algodão, pinças e até mesmo tesouras. Ora, se médicos podem esquecer objetos  no corpo de um paciente como afirmar que a classe médica dificilmente confundiriam marcas que ostentam alguma semelhança?

Conclusão: É certo afirmar que os médicos e farmacêuticos possuem um maior cuidado e atenção quando se trata de produtos farmaceuticos, mas o erro humano é sempre possível e nessa área, o erro ou confusão pode ter conseqüências   gravíssimas.

René de Souza é advogado, especializado em Direito da Propriedade Industrial,  pela Université de Droit, d`Economie et Sciences Sociales de Paris ( PARIS II ) e também pelo CEIPI em Strasbourg. É sócio do escritório DE SOUZA, GUEUDEVILLE & CIA