Pirataria de Marcas no Brasil
O crime de contrafação de marca é previsto nos arts. 189 e 190 da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96). Segundo tais dispositivos, comete crime contra registro de marca quem:
- a) reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou
- b) altera marca registrada de outrem já aposta em produto colocado no mercado;
- c) importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque
(I)- produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada no todo ou em parte; ou
(II) produto de sua indústria ou comércio, contido em vasilhame, recipiente ou embalagem que contenha marca legítima de outrem.
Desde a década de 1960, uma inquietante atividade de pirataria de marcas tem se desenvolvido em vários países do mundo, notadamente no Brasil, Itália e Japão. De acordo com a revista francesa “L`EXPANSION” (Outubro 1981), não há mais nenhuma dúvida: a gravata “HERMÈS” que o imperador HIRO-HITO usava em 1978 na tradicional fotografia de fim de ano era uma contrafação. No entanto, ela havia sido comprada em uma das grandes lojas de Tokyo.
Na Austrália Christian DIOR teve que comprar a própria marca de um espertalhão que havia registrado antes dele. Já no Brasil, os casos de “PACO RABANNE”, “LACOSTE” e “LEE” são alguns exemplos de inúmeras marcas que foram plagiadas.
O Brasil é um dos países onde mais existe contrafação e imitação ilícita de marcas. Esta é uma afirmação que frequentemente ouvimos no exterior. Tal alegação encontra respaldo na realidade?
Comecemos por lembrar o conceito de marca. Trata-se de um sinal distintivo que permite a uma pessoa física ou jurídica distinguir seu produto ou serviço, visando impedir a confusão com outros produtos/serviços de concorrentes. Por outro lado, a Contrafação é a reprodução da marca de outrem de forma idêntica. Já a imitação ilícita pode ser definida como a reprodução de marca de outrem de forma semelhante ou alterada, com o objetivo de confundi-la com a original.
Pouco importa se a reprodução se deu com objetivo de se obter vantagens econômicas ou não, pois a lei não exigiu esse intuito para que o crime contra registro de marca restasse caracterizado. Basta, assim, que tenha havido a reprodução. De igual modo, não interessa indagar se existe possibilidade de confusão ou não, pois ela é presumida e é conseqüência imediata da reprodução.
Em verdade, é muito difícil determinar o número de delitos que são cometidos contra a marca em nosso país. Sabe-se, entretanto, que o número é bastante elevado, de acordo com a Union des Fabricants (UNIFAB). Aliás, ninguém ignora que em várias lojas e boutiques, estabelecidas não somente no Brasil, mas em vários países do mundo, notadamente na China, Japão e Itália, existam empregados cuja tarefa quotidiana consiste em substituir as etiquetas das marcas de calças jeans, camisas, ternos, gravatas etc por etiquetas de marcas estrangeiras de um certo renome, como “LEVIS”, “PIERRE CARDIN” , “LACOSTE” e outras.
Antes de passar à análise das causas dessa situação, vale lembrar que a legislação sobre marcas no Brasil não é recente. Embora a lei atual em vigor, que substituiu o Código de Propriedade Industrial de 1981, date de 1996, já existia bem antes uma legislação bem estabelecida. Destarte, se existe uma legislação em matéria de marcas em nosso país, qual é o motivo de existir uma crescente contrafação e outros delitos, em total desprezo à lei?
A primeira constatação a ser feita é que os crimes contra as marcas são crimes facílimos de serem cometidos, não sendo necessário utilizar uma arma para ameaçar alguém, esperar a caída da noite, escalar paredes, usar uma máscara, evitar cães ou alarmes. Enfim, a integridade física do infrator não corre nenhum perigo, ao contrário de outros crimes onde o autor frequentemente põe sua vida em risco. Desse modo, basta ao contrafator escolher as marcas já famosas ou que estejam na iminência do sucesso e copiar a forma ou embalagem do produto para que o seu sucesso também seja garantido.
A segunda constatação que se faz é que, no Brasil, os autores de crimes contra a marca, na maioria das vezes, são ignorados e raramente punidos, isto porque o plagiador de marcas é visto mais como um tipo “inteligente” e “talentoso” do que um criminoso.
Por último, não se pode esquecer também o desinteresse da polícia no que diz respeito aos crimes contra as marcas. Diante de tantos crimes de homicídio, assaltos, estupros e outros cuja investigação é considerada de maior prioridade e de maior relevância, a investigação de crimes contra as marcas fica prejudicada.
Contudo, a contrafação e a imitação ilícita de marcas são crimes previstos em lei e, como tais, devem ser punidos. Ademais, o consumidor nacional sofre grandes prejuízos, uma vez que para ele a sua marca representa, antes de mais nada, uma garantia de qualidade. Assim, no momento de comprar uma gravata Yves Saint Laurent ou um relógio Rolex, por exemplo, o consumidor pensa imediatamente na qualidade destes produtos, qualidade esta nitidamente inferior quando se trata de um produto falsificado.
É verdade, também, que para alguns compradores menos prudentes os preços de produtos com marcas falsificadas constituem uma tentação e, conscientemente, eles adquirem tais produtos. Todavia, como a qualidade deles é bem inferior, a decepção vem depressa e é no momento de pagar o conserto que eles se dão conta que não fizeram o “excelente” negócio que imaginavam.
Parece evidente que a primeira medida a se tomar, a fim de reduzir este tipo de criminalidade, é impor respeito à lei e não minimizar a importância dos delitos contra as marcas. Em quase todos os países da Europa a contrafação e a imitação ilícita de marcas são crimes severamente punidos e não se compreende porque no Brasil deva ser diferente.
Por outro lado, é necessário que a mídia brasileira dê uma maior divulgação aos casos de contrafação e imitação ilícita de marcas, o que faria os consumidores serem informados dos produtos suspeitos de contrafação e, provavelmente, frearia um pouco os potenciais fraudadores. Inegavelmente, os casos de fraude contra a marca têm suscitado pouco interesse da mídia em geral.
Por último, seria necessário também que as associações de consumidores adotassem resoluções no sentido de melhor informar e proteger os consumidores contra a cobiça e a falta de escrúpulos dos falsificadores.
Enfim, não se pode negar a existência de um grande índice de criminalidade em matéria de marcas no Brasil, mas parece evidente que esta situação pode ser transformada. Um esforço por parte de nossa sociedade poderá reduzi-los sensivelmente.
René de Souza, advogado, sócio do escritório De Souza Gueudeville; diplomado pela Faculdade de Direito da UFBA, possui Curso de especialização pela Universidade Paris II e pela Universidade de Strasbourg (FRANÇA). Tem passagens por escritórios do Rio de Janeiro e Paris, onde trabalhou em organizações de reputação internacional.